O inspector-geral da Administração do Estado (IGAE) de Angola, Sebastião Gunza, disse hoje que recebe diariamente 100 denúncias, sobretudo relacionadas com violação das regras orçamentais, através de contratos prejudiciais ao Estado.
Sebastião Gunza falava à imprensa no final da conferência sobre o “Sistema de Controlo Interno”, salientando que as denúncias chegam por escrito e por telefone e muitas são feitas presencialmente, mas faltam recursos humanos para dar resposta.
“Temos tido uma média diária de 100 denúncias, a demanda para a inspecção-geral é muita. Nós, enquanto inspecção-geral, estamos num processo de reforma, a chamar para nós mais efectivos, aqueles que vêm das inspecções sectoriais, isto é, dos comandos provinciais, dos ministérios ora extintos, para engrossarem o exército da Inspecção-Geral da Administração do Estado, para também nos auxiliarem a responder à demanda das denúncias”, disse.
O responsável frisou a necessidade de continuar a exortar a população para denunciar os actos de improbidade praticados por agentes públicos.
“Os casos mais flagrantes são de desvios das regras do Orçamento Geral do Estado, e essas acontecem regra geral no quadro de alguns contratos que podem ser perniciosos para o OGE. Esta é que é a maior evidência”, salientou.
De acordo com Sebastião Gunza, “alguns gestores afinaram os seus mecanismos de actuação ardilosa e por via da contratação pública conseguem desviar para fins inconfessos alguns recursos adstritos à instituição”.
“Nós podemos dizer que, hoje, temos amostras comparativas que nos deixam mais descansados, no sentido de que, no passado, íamos para as instituições e encontrávamos maus exemplos evidentes de gestores que tiravam recursos públicos, valores, e punham directamente em contas de pessoas ligadas a si ou nas suas próprias contas, hoje isso é quase impossível”, garantiu.
O novo quadro, prosseguiu Sebastião Gunza, é resultado da actuação da IGAE e do trabalho de sensibilização a administradores e governantes.
“No quadro do princípio da prevenção geral as pessoas estão avisadas e daí estarem a cuidar cada vez mais dos expedientes. Alguns – estes com pretensão de cometerem fraudes e desvios de recursos públicos – estes, sim, afinam os mecanismos, para que quando a IGAE for para lá não sejam apanhados em flagrante delito ou mesmo os indícios não sejam muito evidentes”, salientou.
Por sua vez, o Procurador-Geral da República, general Hélder Pitta Grós, a quem coube o encerramento da conferência, considerou que o actual funcionamento da IGAE tem sido determinante para toda a actividade, seja na prevenção ou no combate à corrupção.
“Porque já temos a inspecção-geral criada há bastantes anos e somente com o seu funcionamento, nos novos moldes, é que temos encontrado resultado nisso. Face a esse trabalho temos muitos processos-crimes instaurados contra diversas figuras a todos os níveis do Governo, resultante do trabalho efectuado pela inspecção”, comentou.
Hélder Pitta Grós disse que a actividade frequente e corrente da IGAE junto de ministérios, governos provinciais, institutos e empresas públicas “faz com que haja uma menor apetência para o erário”.
“Se nós verificarmos os números que nós tínhamos em 2017 e os que temos hoje, vamos dizer que para a ordem de mais de 500% [aumento de processos-crimes]. Mas não podemos divulgar o que a IGAE manda, porque vai ser ainda alvo de tratamento, não podemos pôr em causa sem termos ainda consolidado a prova do trabalho que a IGAE faz e manda para nós, e nunca podemos pôr em causa, à partida, o bom nome das pessoas, divulgando de imediato os factos que existem contra essa pessoa”, realçou.
“Devemos ser todos fiscais da coisa pública”
Recorde-se que o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, manifestou no dia 17 de Agosto preocupação com a vandalização de bens públicos, um fenómeno que se vem registando e aumentando na sociedade angolana nos últimos tempos.
O titular da pasta do Interior referiu que este crime tem estado a ganhar contornos alarmantes, se se olhar para os prejuízos que tem causado ao Estado angolano.
O governante pediu o apoio dos órgãos de comunicação social para sensibilizar a sociedade que a destruição de postes de transformação de energia, o furto de 400 parafusos da linha do Caminho-de-Ferro de Luanda, “a todos os níveis inaceitáveis, pois o comboio é um bem público, cujo acesso ao mesmo não se faz na diferenciação por estrato social”. “Devemos ser todos fiscais da coisa pública, porque beneficia a todos”, disse o ministro.
A Polícia tinha nessa altura anunciado que foram detidos cinco suspeitos do furto de 400 parafusos da linha do Caminho-de-Ferro de Luanda, que deixou destruídos 150 metros da linha no ramal ferroviário do Zenza-do-Itombe, no Dondo, município de Cambambe, província do Cuanza Norte.
Relativamente ao funcionamento da Direcção de Administração e Serviços do Ministério do Interior (Minint), Eugénio Laborinho disse haver consciência de que apesar dos esforços empreendidos pelo pessoal, muitos ainda são os constrangimentos que advêm da funcionalidade deste órgão, por escassez da complementaridade das estruturas que intervêm de forma directa ou indirecta na sua acção.
“Com este conselho, esperamos que se obtenham melhorias da dinâmica do procedimento administrativo e burocrático, no tratamento de todas as questões inerentes ao órgão, com vista a dar suporte às decisões superiores”, afirmou.
Por sua vez, o director da Direcção de Administração e Serviços (DAS), subcomissário de Migração Jacinto Mendes, disse que várias dificuldades, essencialmente financeiras, têm dificultado o trabalho daquele departamento ministerial.
“Aquando da nossa chegada nos destinos da DAS, encontrámos as estruturas do edifício sede do Minint a carecerem de intervenções, em função do estado de desgaste que vem demonstrando em algumas áreas. Medidas tendentes à inversão do quadro têm sido tomadas, o que vem devolvendo a sua boa imagem, embora reconheçamos que muito ainda deve ser feito para a imagem que se pretende dar ao edifício sede”, salientou.
400 parafusos em Luanda, 300 “terroristas” em Cafunfo
Se, como pede o ministro, “devemos ser todos fiscais da coisa pública, porque beneficia a todos”, recordamos que o ministro Eugénio Laborinho louvou no dia 2 de Fevereiro a acção das forças de defesa e segurança na zona de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda Norte, onde no final de Janeiro se registou – segundo ele – um “acto de rebeldia e de insurreição”.
Eugénio Laborinho, que nessa data falava em conferência de imprensa para esclarecimentos sobre o incidente ocorrido em Cafunfo, que resultou em dezenas de mortos e feridos, disse que estão na base da situação interesses económicos, nomeadamente o garimpo de diamantes. O pessoal de Cafundo não “garimpa” parafusos…
O governante disse que cerca de 300 pessoas, divididos em três grupos, atacaram a esquadra da polícia, munidos de “armas de guerra, objectos contundentes, meios artesanais e instrumentos cortantes”, usando “indumentária de rituais tradicionais e supersticiosos”, causado ferimentos a dois agentes da polícia e das forças armadas.
“Não é possível estar num posto a fazer a guarnição e aparecer um grupo armado e atacar o posto. Eu sou o garante da ordem, o que é que vou fazer? Tenho que responder. Se estão a atirar contra mim, com catanas e armas, a resposta é igual e a proporção diferente”, disse Eugénio Laborinho.
O titular da pasta do Interior lamentou a atitude dos atacantes, reforçando que não havia outra hipótese “se não manter a segurança pública e a ordem no território”.
“A autoridade do Estado tem que ser mantida a todo o custo. Nós apelamos mais uma vez que entendam, compreendam, que a atitude de resposta da polícia foi de acordo à situação surgida no momento”, sublinhou.
Segundo o ministro, “o grupo de rebeldes” não está autorizado por lei a fazer qualquer manifestação, admitindo que no dia 16 de Janeiro, num dia de semana, os mesmos pretenderam realizar uma manifestação contra o governo provincial, mas foram impedidos.
“Já tínhamos domínio [noção] que este movimento que queriam fazer ia dar uma situação fora do normal, uma vez que eles não tinham sido autorizados”, disse.
Eugénio Laborinho disse que entre o grupo de manifestantes, encontravam-se quatro cidadãos da vizinha República Democrática do Congo, dos quais três foram detidos e um foragido, por isso as autoridades não os considerou manifestantes.
“Não podíamos tratar como manifestantes, uma vez que estão muito misturados e as suas intenções e objectivos – o que pretendiam criar – é uma instabilidade social na região. E não foram aceites, foram feitas algumas detenções, depois de ouvidos, o digno procurador soltou-os e não satisfeitos com isso, prepararam as condições para que desenvolvessem uma acção de rebeldia e insurreição armada no dia 30” de Janeiro, explicou.
“Graças à prontidão e à vigilância das nossas forças foram neutralizados, porque eles vinham armados. Com armas de guerra, com meios contundentes em várias direcções. O que constatamos foi um acto de rebeldia e acompanhado de gente estrangeira, em vários grupos”, acrescentou.
O ministro repetiu que atacar uma esquadra policial, um posto de comando militar “é um acto de rebeldia”. Pelo contrário, ser indiferente aos 20 milhões de pobres e tudo fazer para que os angolanos aprendam a viver sem… comer é um acto de patriotismo.
“E a razão da nossa força é a força da nossa razão. Não tivemos outra hipótese se não nos defendermos. E temos de facto que louvar o esforço e o desempenho das forças de segurança e ordem interna, que tudo fizeram para não haver de facto demasiado luto naquela localidade de Cafunfo”, exprimiu.
O governante admitiu que a situação económica naquele município não é das melhores, que o Governo tudo está a fazer nos últimos quase 46 anos para desenvolver do ponto de vista económico e social e dar o tratamento devido àquela região, mas a situação da Covid-19 (que, pelos vistos, dura igualmente desde 1975) retardou as acções governamentais, que priorizou a saúde.
“Nós sabemos das reivindicações, algumas podem ter as suas razões, mas é preciso o momento certo o governo direccionar acções de desenvolvimento para todas as regiões e particularmente para aquela que é uma província com um estatuto diferente”, disse Laborinho.
De acordo com o ministro não era a primeira vez que tentativas de ataque ocorrem na zona do Cafunfo, “esta é a terceira, quarta ou quinta vez que ocorre”. Provavelmente Laborinho queria ir além das cinco vezes… mas temeu ter de se descalçar se ultrapassasse as dez.
Folha 8 com Lusa